O Dia em que o Tempo parou no Brasil.

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O crítico de cinema Paulo Perdigão faleceu em 2006, aos 67 anos. Deixou um legado admirável de reflexões sobre o cinema espalhados nos jornais e revistas por onde trabalhou. Ele também escreveu livros sobre o tema, sendo que um deles, “Western Clássico“, onde ele analisa o gênero através de seu filme predileto, “Os Brutos também Amam” (Shane), de George Stevens é obra de referência. Ele foi programador dos filmes exibidos pela rede Globo de televisão e, num mundo pré emissoras a cabo, colocava sempre as quinta-feiras e aos sábados, na sessão das onze horas (horário em que os filmes eram exibidos naquele tempo), películas clássicas. Assim muitos espectadores tomaram conhecimento de trabalhos como “A Sombra de uma Dúvida” de Alfred Hitchcock, “Os Inocentes“de Jack Clayton ou “Testemunha de Acusação” de Billy Wylder via este esforço do crîtico. Homem de interesses vastos, Perdigão traduziu para o português ” O Ser e o Nada” obra fundamental do filósofo francês Jean Paul Sartre e escreveu um ensaio ” Existência e Liberdade“, onde refletia sobre os ensinamentos existêncialistas. Mas foi em 1986 que ele lançou um de seus trabalhos mais admiráveis, ” Anatomia de uma Derrota” , sobre a Copa do Mundo de 1950, quando o Brasil, franco favorito, foi derrotado pelo Uruguai, dentro do recém construído estádio do Maracanã.
Nelson Rodrigues, em um de seus muitos lances geniais, definiu aquele dia como a “Hiroshima brasileira”. Perdigão não era fã de futebol mas, aos onze anos, estava no estádio na companhia do pai. Foi tamanho o espanto que a criança testemunhou que aquele momento o perseguiu por muitos anos. Para exorcizá-lo, escreveu uma obra de leitura inesquecível, que desfaz mitos, coloca a verdade dos fatos e reflete sobre a imponderabilidade da existência.
A Seleção Brasileira daquela copa é apontada por muitos como a melhor já montada pelo país. Nela brilhava o lendário Zizinho, muitas vezes definido como o melhor jogador nacional surgido antes de Pelé. Seu desempenho em todo o torneio foi avassalador, os fatos apontando para uma vitória indiscutível. Mas não foi o que aconteceu. Depois de sair vencendo por 1×0, viu o Uruguai virar o jogo e realizar sua maior façanha futibolística. Foi o último título mundial uruguaio. O Brasil esperaria mais oito anos para enfim triunfar na disputa.
Perdigão descobriu nos estúdios de rádio do Rio de Janeiro antigos discos de acetado que continham a narração da partida e os reproduz integralmente no texto. Somos levados para dentro do estádio, dividimos sua euforia e somos abalados pelo choque da derrota. A tragédia esportiva abalaria a vida de muitos que a viveram, como o goleiro Barbosa, um dos melhores de todos os tempos mas que durante muitos anos foi acusado de ter falhado no gol de Giggia, que marcou a virada no placar. Há magia na história destes heróis derrotados, profissionais brilhantes que por uma ironia da História viram sonhos e carreira ruírem em noventa minutos.

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O Brasil nunca mais foi o mesmo depois daquele dia. Quatro anos mais tarde, Getúlio Vargas, o maior nome da política nacional cometeria suicídio, causando uma consternação semelhante ao “maracanaço”, que é como os uruguaios passaram a chamar o feito.
O menino Paulo Perdigão presenciou o espanto do pai, o silêncio do estádio lotado, a vitória do improvável e a derrota de uma certeza. Como o garoto ao final de “Os Brutos também Amam“, viu os mitos se afastarem, e por mais que os chamasse ao longo dos anos, nunca mais voltariam, pois naquela tarde, o tempo parou no Brasil.

1 comentário Adicione o seu

  1. Elis disse:

    Also…jetzt habe ich es gelesen!! Sehr gut und interessant. Wie immer lerne ich etwas von dir. Und wie immer sehr gut geschrieben!

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