A Viagem de Ulisses.

Os irmãos Joel e Ethan Cohen surgiram no cinema americano na primeira metade da década de oitenta do século passado. Seu primeiro trabalho “Gosto de Sangue“(Blood Simple) era um policial de aparência clássica, mas que já trazia muitas das características que seriam desenvolvidas ao longo de suas carreiras. Personagens banais, narrativas de corte noir, e diálogos aparentemente banais. No segundo trabalho, “Arizona Nunca Mais“(Raising Arizona) mostraria uma outra vertente, a comédia, que em alguns momentos se mesclaria a inicial. Desta primeira fase, seu melhor filme é um dos menos lembrados “Ajuste de Contas” ( Miller’s Crossing), uma disfarçada adaptação de “Safra Vermelha” (Red Harvest), clássico do romance policial escrito por Dashiel Hammet.
Trabalhando quase sempre de forma independente, criaram uma filmografia que ao longo do tempo se tornou uma das mais importantes do cinema atual. Seus filmes mais famosos, “Fargo“(Fargo) e “Onde os Fracos não tem Vez” (No Country for Old Men) receberam prêmios e consolidaram seu cinema mundo afora. Além disso, um grupo de atores se tornou presença constante em seus filmes atuando em papéis maiores ou como coadjuvantes e até em pequenas aparições. Com isso estabeleceram um universo próprio, marca dos grandes criadores. Para tanto bastaria lembrar o assassino vivido por Javier Bardén no já citado “Onde os Fracos não tem Vez“, a policial em avançado estado de gravidez em “Fargo” ou o escritor contratado como roteirista na Hollywood dos anos 30 interpretado por John Turturro em “Barton Fink“(Barton Fink).
Inside Llewyn Davies (inside Llewyn Davies) seu filme mais recente se passa no universo da música folk americana nos primeiros anos de 1960, universo que gerou ninguém menos que Bob Dylan. Acompanhamos o personagem principal em sua busca por um lugar ao sol neste ambiente. Enquanto luta por seu objetivo, se apresenta em pequenos clubes, mora de favor na casa de amigos, e passa frio por não possuir um sobretudo. O filme abre com uma de suas apresentações e toda esta sequência é filmada com primor, revelando aos poucos o lugar e o músico. O lirismo da canção não se reflete no comportamento deste personagem que não entende a razão de seu fracasso comercial. Sabe que é talentoso, persistente, mas o reconhecimento não surge. Na verdade parece afastar-se dele a cada oportunidade que surge, como no caso da gravação junto a um grupo de outros músicos. Quando um sucesso se aproxima, ele não receberá royalties pois preferiu receber o pagamento logo após o trabalho ao invés de aparecer no disco como músico contratado. É esta Odisséia que os irmãos filmam. Ao contrário do gato, que encontra seu caminho de volta para casa, Llewyn continua sua busca e, na seqüência final, onde um ponto nebuloso da narrativa é explicado, temos a impressão que a jornada mais uma vez se reiniciará. A viagem para Chicago e seu final quase trágico é um claro exemplo dos dilemas do artista.

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Joel e Ethan Cohen neste filme, se aproximam da temática do cinema de John Huston, que celebrava ” a validade do esforço e fatalidade da derrota”, como definiu Georges Sadoul em seu “Dicionário de Filmes“. É com a amargura do fracasso, a angústia pela incompreensão que o cantor enfrenta uma ciranda de amores inconclusos e de relacionamentos familiares desfeitos ( a visita a clínica na qual o pai está internado, quando canta uma canção preferida deste, é emocionante, mas termina com um choque de realidade, como se os realizadores afirmassem que na vida real não existe lugar para lirismo). Recheado por uma maravilhosa trilha sonora, “Inside Llewyn Davies” junto com “Blue Valentine” de Woody Allen, são os grandes ausentes da lista de candidatos ao Oscar de melhor filme. O que não os diminui em nada. O tempo provará.

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